Introdução à Filosofia



A emergência do filosofar


Introdução à Filosofia








Serge Moscovici, na obra Homens Domésticos e Homens Selvagens, nota que o homem, comparativamente aos outros animais, nasce com uma certa desvantagem, pois aquele necessita, nos primeiros dias de vida, de mais cuidados do que os outros animais, lodavia, o Homem, graças à sua capacidade de criação, suplanta-os. Com efeito, a racionalidade é uma característica funda¬dora do Homem. Esta, porém, necessita de ser estimulada, e a Filosofia é a disciplina que tem como missão, entre outras, estimular essa racionalidade.


Aprender a filosofar é aprender a pensar sobre o mundo que nos rodeia e sobre as acções humanas. A Filosofia nasce do espanto que o mundo provoca no Homem, que o faz começar a filosofar, a pensar sobre o que o rodeia, a sentir-se interpelado pelo mundo no sentido de querer saber mais, de querer conhecer as causas e os princípios da realidade, de conhecer-se a si mesmo e aos outros. Em suma, aprender a filosofar é essencial mente uma atitude de problematização, de questionamento e de crítica perante o mundo.


O objectivo último da filosofia é criar no leitor o hábito da reflexão sobre tudo o que o rodeia (realidade) e, em especial, levá-lo a reflectir sobre as suas próprias decisões e acções.











Tentativas de definição da Filosofia


É comum, em todas as disciplinas, no primeiro dia de aulas, o professor definira sua disciplina, apresentar o seu objecto e indicar o seu método de estudo. Na Filosofia, começar assim è difícil, devido à sua própria especificidade.


Os autores clássicos da Filosofia, Platão (427-347 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C.), principais filósofos da Grécia antiga, local onde nasceu a Filosofia, tinham presente esta especificidade quando afirmavam que a Filosofia era para homens adultos e que devia ser precedida por uma série de disciplinas cada vez mais difíceis (Matemática, por exemplo). Com efeito, não se pode entrar em Filosofia sem problemas por resolver; e só tem problemas por resolver quem tem experiência da vida, dos homens e de si próprio. Todavia, não se afirma que resolver problemas seja a tarefa exclusiva da Filosofia, pois ela também levanta problemas a quem julgava que não os tinha.


Tenhamos no entanto em consideração que, ao falar-se de homens adultos, o termo não se refere a uma idade física, pois Epicuro, filósofo grego do século IV a. C., recomenda que:



Ninguém, por ser jovem, tarde em filosofar, nem, quando idoso, abandone a Filosofia; pois não há ninguém que não tenha idade ou que esteja fora da idade para aquilo que constitui a saúde da alma. E aquele que diz que não é ainda tempo para filosofar ou que já passou o tempo para tal, assemelha-se àquele que diz, falando da felicidade, que a sua hora ainda não chegou ou que já passou. Por isso, devem filosofar tanto o jovem como o ancião, pois o ancião manter-se-á jovem através das bênçãos que lhe advêm dos frutos das suas acções, e o jovem terá a sabedoria do velho, pois não receia o que há-de vir.



Epicuro, Carta a Meneceu.






Ainda sobre a dificuldade em definir a Filosofia, o pensador francês Gilles Deleuze (1925-1995), na obra O Que É a Filosofia?, afirma que esta questão só se coloca tarde na vida de urn filósofo. Portanto, ela não deve ser colocada no primeiro dia de aulas, antes de os alunos estarem maduros, deve ser o próprio aluno a questionar-se, depois de ter experimentado o exercício de filosofar; isto porque os iniciandos não possuem conhecimentos e calma suficientes para réflectir sobre tal questão, apesar do paradoxo de ser a questão que se nos apresenta logo no primeiro dia de aulas.


Aristoteles


Platao








Estas afirmações, longe de defenderem a impossibilidade de definir a Filosofia, sublinham tão somente a dificuldade que há em fazê-lo. Numa primeira tentativa, podemos começar pela etimologia da palavra: o termo «filosofia» resulta da junção de duas palavras gregas: «philo» (amar, amizade com, gostar de) e «sophia» (saber, sabedoria). A palavra «filosofia» significa, portanto, amor da sabedoria, gosto pelo saber. Assim, filósofo é aquele que procura o saber, não aquele que se considera sábio.


A origem da palavra «filosofia» é atribuída ao pensador grego Pitágoras (século VI a. C.), que era chamado sábio por aqueles que achavam que ele tinha muitos conhecimentos. Ele, por sua vez, consciente de que não era sábio mas alguém que procurava saber, pediu que não lhe chamassem sophos (sábio), mas sim filósofo (aquele que procura o saber).


De acordo com o psiquiatra e filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969):



[...] é a busca da verdade e não a sua pqsse que constitui aessênciada Filosofia [..j Filosofar significa estar a caminho. As interrogações são mais importantes do que as respostas e cada uma delas transforma-se em nova interrogação.



Karl Jaspers, Iniciação Filosófica.





A Filosofia, como as outras ciências, tem o seu objecto de estudo: a Filosofia preocupa-se com tudo, ou seja, com toda a realidade que cerca o Homem. As investigações filosóficas abrangem todos os campos de saber. Este facto faz com que ela seja definida sob vários pontos de vista e, por conseguinte, tenha várias definições.


Para nos aproximarmos daquilo que se pode entender por Filosofia, vejamos as definições de alguns filósofos:


  • Aristóteles (Grécia antiga) - A Filosofia é o estudo dos primeiros princípios e causas últimas de todas as coisas.

  • Cícero (Roma antiga/Itália) - A Filosofia é o estudo das causas humanas e divinas das coisas.

  • Descartes (França/Idade Moderna) - A Filosofia ensina a raciocinar bem.

  • Karl Marx (Alemanha/Idade Contemporânea) - A Filosofia é uma prática de transformação social e política.

  • Hountondji (Benim/Actualidade) - A Filosofia é uma disciplina científica, teorética e individual.

  • Anyanw (Nigéria/Actualidade) - A Filosofia tem a missão de explicitar o implícito, tomar consciência do inconsciente.

  • Ngoenha (Moçambique/Actualidade) - A Filosofia ajuda a resolver os problemas da humanidade, é um instrumento de emancipação.














Como se pode concluir, cada filósofo tem não apenas a sua própria concepção filosófica da realidade, mas também a sua própria definição do que é a Filosofia. Este facto verifica-se porque cada ser humano, cada pensador e filósofo, tem a a sua própria reflexão e compreensão do mundo, que é moldada pelas suas experiências, cultura e meio circundante próprios. Daí que cada filósofo defina a Filosofia de acordo com a sua área de pesquisa e interesses, que são fruto da sua expe¬riência pessoal de pensar o mundo.


Contudo, existe algo que em todos eles é comum: a Filosofia aparece como um tipo de saber amplo, radical e exigente. A Filosofia é, neste sentido, uma actividade racional de procura de conhecimento; é uma atitude de curiosidade, de desejo de conhecer e problematizar a realidade. A Filosofia problematiza, coloca questões e procura respostas sobre tudo o que possa ser conhe¬cido: nós próprios, as relações humanas, o mundo, etc. É também uma reflexão crítica, um conjunto de respostas e teorias que foram surgindo ao longo da história da Filosofia.


E, finalmente, a Filosofia é uma ciência não só para ser estudada, mas principalmente para ser feita, para ser vivida. Portanto, a Filosofia é uma atitude e não um conjunto de conhecimentos e teorias de alguém que se memoriza, mas uma prática de pensar e agir, um aprender a pensar e um aprender a agir. A Filosofia é uma atitude de reflexão sobre o real e uma busca de orientação para a vida humana. Kant, um dos mais importantes filósofos de sempre, sublinhando este facto, afirmava que não ensinava Filosofia; ensinava, sim, os alunos a filosofar.














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