Índice
Capítulo
II - Fundamentação teórica
2.1
O desporto como função social
2.1.1
O desporto e a mudança social
2.1.2
O desporto e a mudança social na prática
2.2
Dimensão humano e Social da Actividade Física
2.3
Desenvolvimento Pessoal e Social em Desporto
2.4
O Desporto enquanto espaço de socialização
2.5
As Relações que se Estabelecem entre o Desporto e outro Fenómenos Sociais
Capítulo I- Introdução
O presente trabalho consistiu, basicamente em
responder ao tema colocado pelo docente da cadeira, como forma de avalição.
As atividades físicas em geral e o desporto em
particular, encerram um elevado potencial para influenciar significativamente o
desenvolvimento pessoal dos jovens, contribuindo para a sua formação como
pessoas. O treino desportivo e a competição, em concreto no desporto para
jovens, devem assumir uma dimensão educativa, devendo ser concebidos como
projetos de desenvolvimento pessoal e social (Rosado, 1998).
Neste quadro de referência, as atividades físicas e o
desporto podem constituir-se como um importante contexto facilitador de
abordagens orientadas para a promoção do bem-estar psicossocial, do
desenvolvimento sócioafetivo e moral dos jovens e das suas competências
interpessoais (Rosado & Mesquita, 2011).
A componente de formação pessoal e social, moral e
cívica, englobando a internalização de valores ético-desportivos e morais, mais
gerais, num contexto de desenvolvimento e a aquisição de competências de vida,
são conceitos fundamentais a que a Educação Física e o Desporto não podem ficar
alheios (Rosado, 1998).
Neste contexto, entende-se por competências de vida,
as estratégias que possibilitam ao indivíduo a inserção responsável e
satisfatória na comunidade (Cunha, 1993). Resulta deste entendimento que a
formação pessoal e social é um imperativo formativo que importa sublinhar
também no desporto (Rosado, 1998).
A este propósito, importa salientar que a educação
desportiva envolve considerações éticas e morais, preocupação com o bem-estar
próprio e dos outros e assunção de responsabilidades pessoais e sociais, num
quadro de preocupações éticas e humanistas (Hellison, 1973).
Capítulo II - Fundamentação teórica
2.1 O desporto como função social
Com o propósito de analisar o papel que o desporto tem
numa sociedade torna-se imprescindível compreender o papel do jogo e a maneria
como este consegue influenciar milhões de pessoas. De acordo com Huizinga
(2000, pág.24), o “jogo é uma atividade ou uma ocupação voluntária, praticada
dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras
livremente aceites, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão, alegria e de uma consciência de
ser diferente da «vida quotidiana»."
Huizinga (2000) explora o conceito de jogo como uma
atividade de grande prazer lúdico em que as pessoas conseguem, de facto,
abstrair-se de todos os problemas do quotidiano e entregarem-se ao jogo, por
vezes de uma forma séria, retirando do mesmo uma grande satisfação pessoal,
pois é através do jogo que as pessoas expressam o que sentem, o que o torna
muito importante para a nossa vida.
Todo este entusiamo e satisfação, mesmo a “fingir”,
não deixa de tirar valor e importância para as pessoas, porque funciona como
uma “fuga” da realidade. O facto de as pessoas procurarem a superação e a
vitória, aumenta ainda mais a motivação de querer jogar, em que a tensão sobe e
o prazer de querer vencer aumenta mais ainda, isto é, “O jogo lança sobre nós
um feitiço: é "fascinante", "cativante". Está cheio das
duas qualidades mais nobres que somos capazes de ver nas coisas: o ritmo e a
harmonia” (Huizinga, 2000, pág. 12).
Huizinga (2000) reforça a ideia que o jogo já existe
antes da própria cultura, tornando-o num fenómeno universal, não só para os
seres humanos como também para os animais, uma vez que estes não esperaram que
os homens os ensinassem a brincar. Torna-se assim parte integrante de uma
tradição e da cultura de uma sociedade, pois as pessoas ao jogarem tornam-se
livres, melhoram a criatividade, o fortalecimento do espírito e do corpo,
podendo, ainda, ser jogado ao longo da vida sem que a idade interfira.
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| Desporto |
Huizinga (2000) indica que o aspeto lúdico do jogo
está presente em todos os processos culturais da vida social e que o espírito
competitivo, sendo mais antigo que a cultura, molda tudo à nossa volta. Como
exemplo temos o ritual que advém do jogo sagrado; a poesia que nasceu do jogo;
a música e a dança eram jogo puro; o saber e a filosofia eram originárias de
competições religiosas, assim como as regras da guerra eram baseadas em modelos
de jogo. Consegue-se, desta forma, afirmar que a cultura está enraizada no jogo
desde as suas fases primitivas.
Os jogos lúdicos assumem, também, uma importante
função social ao nível da aprendizagem na educação e formação. De acordo com
Santos (2010, pág.3), “Os jogos lúdicos oferecem, aos alunos, diversas
situações/problemas, a partir do desenvolvimento de jogos planeados e livres
que permitam à criança uma vivência no que diz respeito às experiências com a
lógica e o raciocínio, permitindo atividades físicas e mentais que favorecem a
sociabilidade e estimulando as reações afetivas, cognitivas, sociais, morais,
culturais e linguísticas.”
A atividade
lúdica, seja para animais ou para seres humanos, compreende sempre um sistema
de regras que não podem ser desrespeitados. Todos os jogos são dotados de
regras que se forem desobedecidas, “implica o fim do mundo do jogo. O jogo
acaba: O apito do árbitro quebra o feitiço e a vida "real" recomeça”
(Huizinga, 2000, pág. 12).
2.1.1
O desporto e a mudança social
Após percebermos qual o papel do jogo e como ele
influência a cultura e a sociedade em que estamos inseridos, é essencial olhar
para o desporto como um fator de mudança social.
O desporto faz parte do nosso dia-a-dia e assume-se
como um dos fenómenos mais importantes da sociedade contemporânea. Para isso,
basta observarmos o impacto que o desporto tem vindo a ter nos cidadãos e o
tempo que é despendido pelos meios de comunicação social a divulgar informações
sobre o tema; os vários eventos organizados por diversas instituições, em todo
o mundo, sobre o desporto na sua generalidade e as dinâmicas sociais e
culturais implicadas. Pode-se então afirmar que o desporto consegue de facto
afetar diversos níveis: pessoais, comunitários, sociais, culturais, económicos,
políticos e diplomáticos (Neto, s.d.).
Segundo a Comissão Europeia, no Livro Branco sobre o
desporto da Comissão das comunidades Europeias de 2007, “O desporto atrai os
cidadãos europeus: a maioria deles participa regularmente em atividades
desportivas. Gera valores importantes, como o espírito de equipa, a
solidariedade, a tolerância e a competição leal (fair play), contribuindo assim
para o desenvolvimento e a realização pessoais. Promove a contribuição ativa
dos cidadãos comunitários para a sociedade e, consequentemente, a cidadania
ativa. A Comissão reconhece o papel essencial do desporto na sociedade
europeia, em particular quando esta precisa de se aproximar mais dos cidadãos e
de lidar com as questões que a eles dizem diretamente respeito” (Comissão,
2007, pág. 6).
“O
desporto contribui de forma importante para a coesão económica e social e para
uma maior integração na sociedade. Todos os residentes devem ter acesso ao
desporto. Por conseguinte, há que ter em conta as necessidades e a situação
específicas dos grupos sub-representados e o papel especial que o desporto pode
representar para os jovens, as pessoas com deficiência e os mais desfavorecidos.
O desporto pode igualmente facilitar a integração na sociedade dos migrantes e
das pessoas de origem estrangeira e promover o diálogo intercultural”
(Comissão, 2007, pág. 14).
De acordo com a Comissão Europeia (2007), o desporto
estimula a ideia comum de pertença e de participação, uma vez que pode também
constituir uma ferramenta importante para a integração dos imigrantes. Neste
sentido, é importante criar espaços para a prática de desporto e apoiar as
atividades desportivas, de modo a permitir aos imigrantes um melhor acolhimento
na sociedade.
Nesse sentido, as Nações Unidas declararam, em 2005, o
ano do desporto, afirmando que o mesmo desempenha um papel fundamental na
melhoria da vida das pessoas e que deve ser incluído de uma forma mais sistemática
em todas as comunidades e sociedades (Coalter, 2006).
“O
desporto é, assim, considerado como um condutor mundialmente reconhecido de
aproximação de populações e comunidades. Constitui-se como um código de
comunicação tão espontâneo como eficaz, potencialmente mobilizador do
desenvolvimento da afetividade, expressividade, disciplina, criação de valores
éticos e estéticos, hábitos de higiene, entre outros” (Lima, 2011, pág. 30).
Lima (2011), reforça a ideia que a valorização do
papel do desporto como exercício físico, mas também como forma de prevenção de
futuras doenças, é essencial para o processo de inserção social.
2.1.2
O desporto e a mudança social na prática
O desporto em geral tem uma particularidade de
mobilizar massas e mover multidões, em que lhes é incutido um espírito de
pertença a uma comunidade porque as pessoas vivem o desporto como algo único
(Neto, s.d.). Um excelente exemplo interno é o caso do Europeu que Portugal
organizou em 2004 em que o selecionador nacional, Luís Filipe Scolari, pediu a
toda a população portuguesa para colocar as bandeiras nas janelas em sinal
claro de apoio à seleção nacional de futebol. Este apelo reivindicou a união
outrora esquecida pelos portugueses e, ainda nos dias de hoje, essa tradição
ainda é visível (Amnistia Internacional, 2008).
A organização Sports Witlhout Borders, realizou, em
2009, um projeto denominado, The AFL Peace Team, que tinha como objetivo
construir relações entre as comunidades palestinianas e judaicas através da
criação de uma equipa palestino-israelense, de forma a competir na
Internacional Cup AFL. Esta iniciativa fez com que atletas israelitas e
palestinianos convivessem uns com os outros, pondo de lado o conflito de
décadas entre as duas cidades promovendo o espírito de companheirismo e
solidariedade, ao longo de todo o torneio.
Outro exemplo de como o desporto pode ser visto como
uma ferramenta de mudança social poderosa, foi a exposição fotográfica que a
UEFA albergou em 2010, durante a oitava edição do Campeonato do Mundo de Futebol
de Rua dos Sem-Abrigo, que decorreu no Rio de Janeiro. De acordo com uma
notícia publicada no site da UEFA (organizadora do evento), estas fotografias
mostraram como o desporto (neste caso o futebol), pode ser usado como
catalisador de questões sociais, como é o caso dos sem-abrigo. A exposição
fotográfica, teve como missão contar histórias, através das fotografias, sobre
como o desporto pode ajudar a alterar a vida de uma criança, de um adulto, de
uma família e até mesmo de uma comunidade.
2.2 Dimensão humano e Social da
Actividade Física
A partir do século XX, o Desporto passou a ser
definido como uma instituição poderosa e dinâmica, de grande importância na
sociedade.desporto
O desporto ao qual actualmente assistimos, foi
influenciado pela tecnologia industrial e científica, principalmente a partir
de meados do século XX, diferenciando-se em diversas modalidades desportivas
(dada a importância económica de cada uma) e havendo a especialização de
praticantes em modalidades distintas. Começou a evidenciar-se, também, o
significado de “competição”, “rendimento” e “produção de resultados”, devido ao
aumento do número de desportistas. Os meios de comunicação também tiveram
grande influência na evolução do “mundo desportivo” e da função social do
desporto.
No início, na prática desportiva, valorizava-se,
principalmente, a força e a potência, seguidamente, o rendimento e a produção
de resultados, e finalmente, a destreza atlética. Tudo isto se relaciona com o
desporto à escala mundial e o “espectáculo desportivo”, tão admirado, cada vez
mais, pelo público.
O desporto, durante o século XX, sofreu,
efectivamente, uma grande transformação, passando:
·
A diversificar-se e a
especializar-se os conhecimentos acerca da realidade desportiva;
·
De um espaço desportivo
natural a um espaço desportivo com as seguintes características: formalismo
(regulamentos), artificialismo e abstracção;
·
De locais informais, onde
ocorria a prática de exercício físico, a ginásios;
·
De movimentos,
utensílios, equipamentos e dispositivos utilizados simples e ligados a
actividades e a objectos quotidianos, à conquista, pela biomecânica, dos gestos
técnicos;
·
De espaços “gerais”
subordinados à prática de exercício físico a espaços particulares, cada um
específico a diferentes técnicas, práticas e resultados (diferentes
modalidades);
·
De uma análise de
conceitos de “mecânica corporal” a uma visão em termos de “facto
bio-socio-cultural”;
·
De prática local e
regional a facto mundial;
·
De facto estritamente
desportivo a facto cultural e social;
·
De espaço de lazer e
saúde a factor de coesão social e consolidação da cidadania;
·
De abordado de modo
amador e empírico, no início do século XX, a domínio autónomo do conhecimento
científico e tecnológico no final do mesmo, exigindo uma crescente profissionalização
e especialização;
·
De privilégio de alguns a
necessidade e direito de todos (direito reinvindicado, institucionalizado, e
vertido nas constituições e nas leis das nações);
·
De divertimento restrito
a uma elite a prática generalizada para todos, sem discriminação de género,
idade, proveniência geográfica ou incapacidade funcional;
·
De oportunidade para a
participação das comunidades a factor de identidade.
Também com a evolução da tecnologia dos meios de
comunicação, as vias de acesso e os percursos das deslocações dos espectadores
até aos recintos desportivos sofreram melhorias, ocorrendo assim,
principalmente a partir da segunda metade do século XX, transformações
significativas no desporto, manifestando-se isto nos eventos desportivos. Estes
passaram a reunir a atenção de milhares de espectadores e dos meios de
comunicação social, a produzir um enorme fenómeno comercial (transacções de
milhões de euros) e a provocar a invenção e a construção de novos materiais e
utensílios, originando uma grande indústria de equipamentos desportivos, gerida
por empresas multinacionais.
O processo de socialização do Homem passa pelo
Desporto e pela Educação Física, verificando-se que as actividades desportivas
estão relacionadas com o desenvolvimento social, pois a prática do desporto é
um grande fenómeno de coesão social.
2.3 Desenvolvimento Pessoal e Social
em Desporto
A formação pessoal e social é um projeto que visa a
educação integral dos cidadãos perspetivando a aquisição de competências gerais
de modo a capacitar o indivíduo para os diferentes papéis que a vida lhe
reserva (Cunha, 1993; Gould, Collins, Lauer, & Chung, 2006).
Entendendo por objetivos da formação pessoal e social,
a educação para as relações interpessoais e a educação para a relação consigo
próprio, a reflexão sobre a formação pessoal e social deve contribuir para a
formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários, capazes de
intervir com espírito crítico e criativo no meio social (Carita, et al., 1993;
Damon, 2004).
Neste contexto, o âmbito dessa intervenção deve estar
alicerçado em diversas componentes da dimensão educativa, como, por exemplo, a
educação familiar, sexual, para a saúde, para a participação social, ambiental
e desportiva, etc.
A extensão desta área ao contexto educativo transfere
para a Escola e para o Clube, a responsabilidade de prestar especial atenção
aos problemas da vida e desenvolver nos alunos e atletas a capacidade de agir
face aos desafios que esta lhe coloca.
Apesar de todas as áreas do currículo escolar
partilharem objetivos de formação pessoal e social dos alunos, muitas vezes, o
seu contributo pode não ser o desejável. Nessa medida, importa acrescentar
novas oportunidades educativas às que vêm sendo proporcionadas conduzindo à
formação de valores, crenças, atitudes e hábitos práticos de relação e de
cooperação que forneçam maturidade cívica e sócio-afetiva aos indivíduos
(Cunha, 1993).
O sistema desportivo deve ter, também, um papel
decisivo no desenvolvimento pessoal e social dos jovens, no desenvolvimento de
competências para a vida, na educação moral e no desenvolvimento do caráter
(Gould, et al., 2006; Rosado, 1998), enfatizando as possibilidades de educação
que a prática do desporto possibilita no desenvolvimento dos jovens (Wright
& Li, 2009).
O sistema desportivo, em particular no desporto de
crianças e jovens, deve, deste modo, assumir-se como um instrumento ao serviço
dessa dimensão do desenvolvimento humano e aos jovens devem ser facilitados
processos de desenvolvimento pessoal nas diferentes etapas e espaços do seu
desenvolvimento (Rosado & Mesquita, 2011).

